O mal da reciprocidade

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Você pode ler esse texto escutando: Crazy – Daniela Andrade

Nossa geração é viciada em reciprocidade. Inicio o texto assim, grosseiramente, sem devaneios e sem dúvidas. Talvez seja a única opção viável em um mundo onde o amor é cada vez menos valorizado, mas ainda assim, é a mais precipitada das alternativas. Porque isso desvia o significado do amor, e em uma tentativa desesperada de se preencher, ele acaba sendo vendido, negociado.

É delicioso dar afeto e recebê-lo em troca, é uma honra ter de volta toda a dedicação que você presta a um indivíduo. Mas toda vez que doamos algo esperando devolução, o fazemos por mero interesse. E fazer algo por mero interesse tira toda a verdade de sua intenção. Quando se tem afeição por alguém, o zelo é inteiramente voluntário e despretensioso.

As músicas, as senhoras experientes, os moradores de periferia e até os mais nobres poetas garantem que amor não se compra, e aí mora o seu mérito. Pois não há nada mais digno que oferecer sua devoção só pelo prazer de entregar o que há de mais sincero dentro de si para o outro. Mas tamanha beleza foi quebrada quando a sociedade, em seu desespero, passou a perseguir a reciprocidade, colocando à venda o seu amor.

Com toda a pressão dos dias de hoje, o ser humano sente-se cada vez mais inseguro, hesitante. Uma cultura que cultiva pessoas cada vez mais medrosas não nos deixa outra alternativa que seja procurar aconchego nos braços de nosso próximo, e fazer qualquer coisa para obtê-lo… Até mesmo comercializar algo que deveríamos dar de graça: nossos sentimentos. Uma atitude esperta, porém fútil.

Se trabalhássemos a paciência e acreditássemos em nosso eu interior, a reciprocidade não seria o padrão ideal do amor. Que vivamos sem essa preocupação, por um mundo onde o único amor obrigatoriamente recíproco seja o amor próprio.


Sarah Santos

O que aprendi com o voluntariado

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Você pode ler esse texto ouvindo: Vai Ser Assim – Criolo

Vivemos em um mundo onde o importante não é o ser, ou o ter… Mas o parecer. Se faz muito pouco pelo próximo e quando faz, espera-se algo em troca. A mídia nos colocou óculos para enxergar apenas o mundo que está a nossa volta, e não ir além disso. Mas do lado de lá não são apenas flores. E quando você cruza a linha imaginária da parte do mundo que o sistema ignora, percebe essas diferenças e se recobra de muita coisa.

O voluntariado me ensinou a ter sensibilidade. A jogar fora todos os meus preconceitos e me colocar no lugar do outro, sentir suas dores e seus prazeres. Vivemos um tempo de ativismo de sofá. Onde pregar “mais amor, por favor” e compartilhar imagens de solidariedade uma vez por semana na internet já está bom demais. Afinal, o conformismo é muito mais digerível.

Ser voluntária também me trouxe autoconhecimento. Dentro da nossa zona de conforto, temos muitas convicções. Sair da minha bolha e ir para lugares totalmente divergentes a minha realidade, conhecer pessoas, ouvir seus relatos e oferecer o que eu tenho de melhor trouxe mais sabedoria do que qualquer escola que já frequentei. Ver o mundo de outras maneiras, por outras culturas, fez parecer tudo o que eu tinha vivido até ali fácil demais.

Além disso, o voluntariado também me trouxe alegria e amor. Quando suas virtudes são compartilhadas, elas se multiplicam de forma que você se torna uma pessoa melhor e torna a outra pessoa melhor. O amor é algo que se prolifera quando se divide… E sortudos são aqueles que tem amor para si e para distribuir. Cultivar sentimentos bons nos fortalece para o cotidiano, nos faz mais felizes.

Acima de tudo, ser voluntária me ensinou a ter atitude. É muito bonito ter um discurso humanitário e inclusivo, carregar palavras bonitas na ponta da língua, ser paciente e educado. Mas além da beleza, há dignidade no ato de sair da sua casa e ir ajudar o próximo com ações. Ajudando outras pessoas, aprendi a sonhar como algo possível e prático; transformar o meu ideal de um mundo melhor em práticas que não vão mudar o planeta da noite pro dia, mas fazer parte de um processo de cura na humanidade.

Assinatura oficial

Atire a primeira pedra

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Você pode ler esse texto ouvindo: Who you are – Jessie J. 

Já perdi as contas de quantas vezes errei. Falei o que não devia, falei mais alto que devia, falei o que devia… Mas na hora errada. Minha coleção de defeitos é extensa, assim como a sua. É isso que me faz tão singular, tão humana.

Algumas vezes, passei da conta. Outras, perdi a conta. No fim, meu problema é com matemática mesmo… Mas ainda assim, refaço os cálculos e tento acertar novamente. Sou vítima de uma mania estranha que não me deixa desistir fácil de vencer, mas aceitar e sair de fininho quando isso não acontece.

Também, falhei nos exageros. Bebi demais, confiei demais, dancei tanto que meus pés se machucaram. Mas cada um desses atos rendeu uma lição diferente, que guardo no bolso e uso para não errar novamente. Ou erro, só pelo prazer de ser imbecil de vez em quando.

Eu sempre me perco no meio dessa estrada. Volta e meia me vejo observando o céu, e acabo tropeçando. Me neguei o direito ao arrependimento por muito tempo, pois me achava boa o suficiente para não voltar atrás… Ah, pobre menina! Mal sabia eu que arrepender-se é o maior ato de humildade já existente.

Fui julgada como Maria Madalena por meu juízo curto… Mas tenho sorte do pavio ser grande, e me permitir ignorar tudo que não acrescenta. No fim, por mais correto que seja, todo indivíduo tem um passado, tem marcas das quais se orgulha e das quais gostaria de apagar.

Dessa forma constitui-se o ser humano. Ninguém é tão grande que não possa amar, e ninguém é tão pequeno que não possa ser amado.

E quem nunca errou, que atire a primeira pedra.


Sarah Santos

Permita-se inundar

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Você pode ler esse texto ouvindo: Brave – Sara Bareilles

Foi no dia vinte e oito de outubro, em 1997, quando chorei pela primeira vez. Segundo minha mãe, dessa forma notaram que eu havia chegado ao mundo. Ela não sabia, mas isso dizia muito sobre quem eu seria dali pra frente. Desde então, abria o berreiro por qualquer motivo. Mas as lágrimas não surgiam só no sofrimento… Pois o choro de sensibilização também era constante. Chorava ao ver outra criança chorar, chorava ao assistir um desenho animado que tocava meu coração de alguma forma, chorava ao ouvir “brilha brilha estrelinha”.

Logo reconheceram: “você chora por tudo, menina!” E com isso, por muito tempo eu segurei o choro. Aguentava o quando podia sem deixar uma lágrima escapar, e quando chorava, era debaixo do chuveiro. Mas eu sempre explodia de alguma forma, afinal, tantos sentimentos não podem ficar armazenados em um corpo tão pequeno. Até que resolvi me assumir chorona, me assumir humana. Chorar muito não diz nada sobre quão forte eu sou, muito pelo contrário… É uma honra sentir tanto em um mundo de pessoas tão vazias.

Hoje, tenho pena de quem não reconhece os benefícios do choro. Chorar espanta mágoas, acalma o coração, expressa as mais serenas emoções. Chore por amar alguém, chore pelas pequenas coisas as quais você é grato, chore à toa. Afogar-se na água salgada dos seus olhos é o maior ato de sinceridade consigo mesmo. Ao deixar as lágrimas caírem você se despe das suas armaduras e admite que é humano, que tem um coração cheio de sangue, que pulsa e sente tanto que os sentimentos fogem pelo rosto.

Deixe seus olhos em paz. Não se culpe por chorar. Vivemos em uma sociedade onde se mede a força apenas pelo físico, pelo que está aparente. Mas qualquer um pode usar uma máscara. Qualquer um pode estampar um sorriso de orelha a orelha e dizer por aí que é feliz.Você não precisa sujeitar-se a superficialidade.

Que minha alma seja tão transparente quanto minhas lágrimas.


Sarah Santos

O mundo é dos trouxas!

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Você pode ler esse texto ouvindo: Chasing Pavements

“Eu preciso parar de ser trouxa” – Disse um amigo, em meio aquela porção de conversas jogadas fora sem muita cerimônia. Aquilo me deixou pensativa sobre o que é ser trouxa e porque ser trouxa é necessariamente algo ruim. Logo, reparei que eu deveria ser trouxa também.

Ser trouxa é cultivar o lado mais sublime do amor. Seja ele por um amigo, namorado ou aquele seu crush do bar na semana passada. É vidrar os olhos, sonhar profundamente, criar as mais utópicas expectativas e acreditar nelas como se fossem tornar-se realidade apenas por questão de tempo. Mas não acaba por aí.

Ser trouxa lhe compromete a um emaranhado de lealdade, de uma índole tão correta que lhe aterroriza a ideia de passar por cima do outro para conseguir algo. E junto disso existe uma pureza singela e uma inocência infantil. Pessoas trouxas perdoam com tanta facilidade que nem esperam mais pelo arrependimento de quem lhe fez mal. Elas simplesmente liberam sentimentos de graça.

Mas o mundo não está preparado para a incrível geração de trouxas que vêm por aí. O ser humano ainda é imbecil e só sente-se bem quando está sob vantagem. Qual vantagem, afinal? A vantagem de ser mais esperto? Os espertos nunca tem amor de verdade no fim da estrada, pois você recebe o que dá ao mundo.

Ser trouxa é se arriscar novamente após cada decepção, por ter uma fé inabalável no melhor lado do ser humano. É ser pisoteado, desprezado e humilhado, mas ainda assim ter a sorte de uma consciência limpa, por saber que dá o melhor de seu coração. Vocês podem rir, debochar e esnobar… Mas o que não sabem, é que o mundo é dos trouxas.

Mesmo com uma grandiosa coleção de cicatrizes, mesmo chorando algumas vezes, mesmo sendo sempre a estúpida, desiludida, traída, a coitadinha… Que me perdoem os espertos, mas ser trouxa é o que me faz tão singular. E não tenho vergonha disso.


Atenciosamente, Sarah Santos.

É hora de voar, menina!

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Você pode ler esse texto ouvindo: Roots Before Branches

Você foi corajosa, menina! Passou um bom tempo cuidando de suas raízes, mas a chuva te fez crescer. Agora é hora de florescer, garota! Você lutou uma guerra contra si mesma, enfrentou seus próprios demônios e matou um por um. Perdeu algumas coisas na caminhada, mas chegou ao final sem perder sua maior arma: seu sorriso.

É preciso saber quem você é antes de saber quem vai ser, mas a melhor parte é aquela em que você se conhece. Descobre cada característica do seu próprio reflexo, se ama, e então se renova. Não tenha medo de se conhecer! Não tenha receio em seguir em frente, mesmo que com o coração quebrado.

Você não vê? Suas asas imploram para voar! E aquela dor que antes latejava lhe deu uma simpática cicatriz e uma lição preciosa. Cada caquinho do seu coração se uniu novamente, tornando-o mais firme do que nunca. Já suportou lagartas demais, é hora de conhecer as borboletas.

Sua força é maior que imagina, sua beleza é mais esplêndida do que pode ver, seu valor excede ao de finas joias. Deus, em sua infinita sabedoria, te fez guerreiraColocou o brilho do sol em seus olhos e uma lua crescente em seu sorriso. Quanto a ele? Bem… Você merece o universo, e ele é apenas uma estrela.

Atenciosamente, Sarah Santos.

Mais macho que muito homem!

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Você pode ler esse texto ouvindo: Feeling Good – Nina Simone

Ela vai de condução. Sorri para o motorista, entorta o pescoço de meia dúzia quando passa, dá bom dia para a senhora do banco preferencial e olha através da janela com sua perspectiva de mundo. Um novo dia lhe dá uma nova chance para fazer tudo diferente e vivê-lo como se fosse o último. Afinal, nunca se sabe quando realmente é o último. Mas ela não precisa saber! Não tem medo de nada, sequer da morte. Sabe que se for embora dessa Terra, vai em sua condição natural: de plena felicidade.

Ela estuda, garante o pão de cada dia e vive em constante renovação. Não é dessas mulheres perfeitinhas com tudo no lugar, classe extrema, toda pimposa. Ela sequer tem o tamanho de uma pessoa adulta! Mas sua força interior ultrapassa qualquer barreira de estatura. É das mais simples, mas apegada às emoções que cada momento proporciona. Chora por tudo, mas isso é apenas sentimento virando água. Está longe de ser boa o suficiente para o padrão de qualidade da sociedade, mas felizmente, está ocupada demais sendo boa o suficiente pra si mesma.

Coitado de quem a subestimou! Pois ela não é tipicamente vingativa. Seu samba é silencioso e seu sucesso incomoda muita gente. Nos tempos difíceis, ela encontrou a solução dentro de si mesma e tornou-se sua própria heroína. Sempre se regenerando, virando a mesa e o que mais estiver em frente. Ah, ela não passa… Ela atropela.

Beleza não é seu forte. Inteligência é grande, porém limitada. Mas tem persistência em potencial! Ela segue sem deixar que a limitem, que a definam, que a olhem torto. E só para quando chega lá! Se preciso, muda de rota de vez em quando. Se preciso, dá uns passos para trás… Mas logo toma impulso e encara a corrida mais de perto. E é por isso que sempre perguntam porque ela consegue tudo o que quer.

Ela gosta de desafios, de experiências novas, daquela saborosa sensação de liberdade. Mas também, em seu lado mais subjetivo, divide-se entre a garra e a sensibilidade. Ela sabe que a vida acontece e quando resolve acontecer… Chama pra briga e encara de peito. Dentro de si, tem o perfume de toda mulher, com medos e inseguranças… Mas que desconhece sua genialidade.

Não duvide. Ela é mais macho que muito homem.


Atenciosamente, Sarah Santos.

Preserve sua essência

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Você pode ler esse texto ouvindo: it’s time – Imagine Dragons

Imagine que você é um pote dentro de uma loja e precisa ser comprado. Dentro, há o conteúdo… Mas para se destacar entre os outros tantos produtos daquele armário, investe na decoração. O pote pode ter laços, fitas, glitter e tinta coloria, mas no fim, o que realmente interessa está dentro da embalagem.

É assim que funcionamos. Na busca do sucesso profissional ou pessoal, vestimos uma casca que nos torna mais interessantes. Por exemplo: eu sou Sarah, estudante de jornalismo, estagiária em assessoria de comunicação, mochileira e militante feminista. Isso é o que eu permito que os outros saibam sobre mim, meu cartão de visitas. Porém, não é quem eu sou.

É comum que ao nos apresentarmos, mostremos nosso “cartão de visitas”, mas têm sido mais comum ainda que só se use isso. Os títulos são utilizados para conquistar atenção e mérito, se esse é seu único atrativo, consequentemente é uma pessoa vazia interiormente. Já tornou-se normal para um indivíduo se apresentar como “sou o mestre X”, ou “sou o doutor Y”. Ou, pior: “sou fulano de tal, dono daquela propriedade”. Se retirarem seus títulos, você ainda será alguém?

Propriedades se vão. Títulos se vão. Até nossos melhores relacionamentos estão sujeitos ao fim… Mas sempre teremos nossa essência. E com tantos fracassos e vitórias, às vezes se esquece do que realmente importa. Para ser uma pessoa de sucesso, estando satisfeito com a posição que ocupa no mundo, é preciso se autoconhecer. E quem guarda sua essência se conhece de verdade.

Futuramente posso ser uma jornalista famosa, uma viajante internacional ou uma feminista renomada. Mas isso não diz tanto sobre mim quanto minha infância no litoral. Independente das minhas conquistas, serei sempre a filha da dona Rosa, metade sulmatogrossense, metade paranaense. Cada um de nós tem o privilégio de escrever sua própria história, mas existe uma parte que vem conosco e não pode ser mudada.

Preservar sua essência é essencial.


Atenciosamente, Sarah Santos.

O bichinho da bondade

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Você pode ler esse texto ouvindo: Shine Yellow

Lendo as minhas felicitações de aniversário, pude ver a maioria dos meus amigos mais próximos elogiando e admirando minha “bondade”. Com isso, me perguntei: o que é ser bom? Por que isso é uma qualidade? Por que é tão exaltado?

Ser bom é muito mais do que simplesmente não praticar maldade com o próximo. É olhar para a dor do outro e se pôr no lugar dele, é disseminar isso sem olhar a quem. A bondade é um mérito exclusivo de pessoas felizes. Sem tempo e disposição para desejar o mal mesmo para quem não mereça o bem, para dizer coisas ruins.

Dizem que a boca fala do que o coração está cheio. Eu prefiro dizer que a boca é o reflexo da alma! E sua personalidade será mostrada no que você diz por aí. Pessoas de alma limpa incentivam e carregam sempre uma palavra de estímulo no bolso. Ao contrário de outras que difamam, mentem e desmerecem a luta do próximo. E essas ações, sejam boas ou ruins, cultivam tudo o que acontece a sua volta.

Pessoas boas são abençoadas por natureza. Por isso, a generosidade sempre compensa. Dividir o que tem, seja de natureza cognitiva ou material, atrai coisas boas. Estender a mão, tomar tempo e esforço para fazer outras pessoas felizes faz com que você conheça outras realidades e assim, enxergue melhor a vida. Não guardar rancores, perdoar  e devolver o mal com o bem é só para os fortes. A lei é muito clara: você colhe o mesmo que planta.

Mas não se deve ser bom por status, ou esperando algo em troca. A bondade contagia, como um bichinho transmissor de coisas boas. E deveria ser uma obrigação! Uma pessoa boa não deve ser ovacionada, pois com isso a gente normaliza que o ideal de ser humano ainda é desonesto e cheio de interesses.

Quando a bondade for comum a todo homem, o mundo será um lugar melhor.


Atenciosamente, Sarah Santos.

Outubro rosa: vamos falar de superação?

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Todo ano o mês de Outubro é conhecido como: Outubro Rosa, uma campanha de conscientização para o câncer de mama. O movimento é muito importante, já que a doença não tem prevenção, tornando necessário o diagnóstico precoce. É muito importante pensar sobre o assunto e repassar para todas as mulheres terem conhecimento. Como forma de compartilhar a campanha aqui, resolvi por em pauta um assunto que tem a ver com a temática e é comum ao cotidiano dos leitores: superação.

Superar é a arte de olhar bem nos olhos da sua dificuldade e dizer: “eu sou maior que você”. E embora seja um processo doloroso, é algo pelo qual todo mundo passa uma vez ou outra. Afinal, toda tristeza é um intervalo entre duas alegrias. Mas a parte boa é que de toda superação se pode tirar um ensinamento. Se hoje sou sábia, é porque já passei por muita coisa. Se hoje vivo sorridente, é porque já chorei demais. Os tombos, traumas e decepções me fizeram uma pessoa melhor.

Nasci com problemas cardíacos. Passei toda a minha infância morando no Paraná em busca de um tratamento adequado para a cardiopatia que era severa. Aos 7 anos, fui fazer exame de rotina e a médica surpreendeu meus pais com a notícia de que a frequência do meu coração chegava apenas a 40 batimentos por minuto, sendo a média de 71 a 73. Além disso, havia sopro em nível avançado e duas válvulas tortas. A conversa era de que eu tinha apenas mais alguns meses de vida, e a cirurgia seria de 25% de chances de sucesso. Nenhum cirurgião queria aceitar um caso como aquele, mas minha cardiologista interviu e exigiu que fosse feita uma operação, mesmo que muito arriscada. Como podem ver, eu sobrevivi… E com isso, aprendi a não ter medo da morte.

Quando menor, tinha um relacionamento singular com meu pai. Nós éramos carne e unha, iguais na aparência e personalidade. Ele era meu heroi, a idealização do ser humano que eu gostaria de ser. O casamento com minha mãe parecia ser excelente. Eles quase nunca brigavam, decidiam e conquistavam tudo juntos. Quando sem muita explicação, meu pai conheceu uma mulher mais jovem e foi embora sem olhar para trás, deixando meu coração partido e a cabeça confusa. Perguntava-me todos os dias porque ele me abandonou e quem era aquele cara que me cativou por anos para me despedaçar assim, sem precedentes. Com isso, aprendi que o caráter do ser humano é surpreendente e  acima de tudo, aprendi a perdoar. Hoje temos um relacionamento pacífico.

No ensino fundamental me matriculei em uma escola de periferia, onde os jovens tinham histórias diferentes. Mesmo que ainda novos, muitos deles já carregavam marcas da crueldade do mundo. Como não frequentava sempre as aulas devido meu tratamento cardíaco, fiquei em uma classe de alunos mais velhos, com dificuldade de aprendizado. Aquele foi um ano conturbado. Eu passei os intervalos sozinha, ganhei apelidos e apanhei das garotas algumas vezes. Eles caçoavam do meu tamanho, da minha aparência, das minhas deficiências. A coordenação do colégio era obsoleta a tudo que acontecia, e eu não queria preocupar minha mãe com algo assim. Passei meses tentando impressioná-los, mas depois de um tempo já não queria fazer parte da turma deles, ou ser parecida com eles. Vivi aquela fase em silêncio e no ano seguinte, pedi para mudar de classe. Fui a única aluna daquela turma a concluir o ensino médio e entrar para uma faculdade. Com isso, aprendi que o mundo dá voltas.

Cada um de nós tem sua história, carrega seu fardo, mata seus próprios leões diariamente. E no fim, essa é a coisa mais bonita da vida, quando você busca a melhor versão de si mesmo, escolhe ser maior que as turbulências e superior a quem quer te ver pra baixo. Você não pode evitar uma tribulação, mas pode escolher como vai passar por ela.

Ela só ficou mais forte
Ela morde mais forte e só morre lutando

 


Atenciosamente, Sarah Santos.